Hidrelétricas levam sede e fome ao povo Munduruku na Amazônia brasileira
Na Terra Indígena Kayabi, entre os estados do Pará e Mato Grosso, na Amazônia brasileira, empresas hidrelétricas estão secando as águas do grande rio amazônico Tapajós, impedindo que os indígenas Munduruku tenham uma vida plena e segura
Na Terra Indígena Kayabi, entre os estados do Pará e Mato Grosso, na Amazônia brasileira, encontrar água para beber, banhar e plantar tem sido um desafio diário para os povos Munduruku, Apiaká e Kaiabi que habitam a região. O Tapajós, rio que corta e banha o território, está secando, consequência das mudanças climáticas e do aprisionamento das águas por quatro usinas hidrelétricas (UHE) instaladas em seu curso e que operam simultaneamente – a UHE Sinop, UHE São Manoel, UHE Colíder e UHE Teles Pires.
A alteração do volume do rio e o aumento das temperaturas são sentidos desde 2015, segundo a liderança Ediene Kirixi Munduruku, mas em 2024 a sede e a fome ficaram piores.
Ediene conta que em algumas aldeias, as pessoas, incluindo crianças e idosos, precisam andar até uma hora para encontrar água nos igarapés que ainda resistem. “Nas margens do rio, a água está quente. Isso mata os peixes”, ela diz. Os que sobrevivem estão mirrados de fome, pois as frutas que antes caíam das árvores direto nas águas na época das chuvas, agora, com a seca severa, caem na terra, longe do alcance dos peixes.
A água e os peixes que restam estão contaminados com o mercúrio despejado no Tapajós em mais de 40 anos de garimpo ilegal de ouro. O elemento químico é usado para separar o ouro dos sedimentos da terra garimpada. Pesquisas apontam altos níveis de mercúrio no corpo dos Munduruku, inclusive no leite materno. A contaminação pode causar sérios danos ao sistema neurológico.
“Ano passado, nosso vizinho encontrou mercúrio na cabeça de um peixe que estava sendo comido por crianças. O mercúrio ficou preso nos dentes de uma delas”, contou Ediene. Coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, ela vem tentando, junto a organizações da sociedade civil, conseguir recursos para construir poços artesianos nas aldeias.
Poços para aplacar a sede
Em 2024 foram perfurados 12 poços em 12 aldeias pelo valor de R$ 37 mil cada. Os poços foram construídos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, mas com recursos da sociedade civil, não do governo.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) é o órgão federal responsável por garantir a implementação dos direitos dos povos indígenas no Brasil, como o direito à saúde, à educação, acesso à água, alimentos e à demarcação de seus territórios ancestrais.
No entanto, segundo Ediene, o governo é muito burocrático e desconhece a realidade das aldeias, e por isso não apoia os Munduruku em sua busca por água. “Em 2024 pedimos apoio emergencial a parceiros para comprar galões de água para as aldeias, mas não foi muito bem, porque o consumo era grande. Com a questão da alimentação, a gente tem pedido apoio para criar galinha caipira e para manter as roças. O costume do povo Munduruku é produzir farinha de mandioca, batata, é fazer roça”, explica a liderança.
Para o próximo período de seca que pode afetar a Terra Indígena Kayabi, Ediene Kirixi Munduruku está em busca de recursos para mais dez poços artesianos para outras dez aldeias – são 174 ao todo no território.
“Nessa seca, nesse sol, caminhar longe para tomar banho no igarapé é muito difícil. Então pra mim não importa se é a Sesai, o governo ou sociedade civil: penso na humanidade para buscar soluções”, declara a liderança.