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Brigadista está em pé, apoiado em uma ferramenta para apagar fogo, em meio a uma área de mata toda destruída pelo fogo no Pantanal
Corumbá (MS), 29/06/2024 - Com o auxílio de aeronaves, bombeiros do Prevfogo/Ibama combatem incêndios florestais no Pantanal (© Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Brasil está pegando fogo outra vez

29 de ago. de 2025O início do tempo seco e o avanço do agronegócio sobre áreas de floresta voltaram a incendiar o Brasil. Maranhão e Piauí, estados visados pelos latifundiários para cultivo de grãos e gado para exportação, já estão nos noticiários com as imagens das chamas devorando o que encontram pela frente.


Chega o tempo da seca em regiões do norte, nordeste e centro-oeste do Brasil, e nos noticiários se espalham imagens de imensos incêndios em florestas e comunidades tradicionais na Amazônia, Cerrado e Pantanal. Os incêndios costumam se intensificar entre agosto e outubro, com um pico em setembro. 

Nada disso é novo, e nada disso é por acaso. Monitoramento realizado pela doutora em geociências Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta que 99% dos incêndios que acontecem no Brasil são por ação humana; apenas 1% acontecem por raios.

As causas são diversas. Mas na fronteira de expansão do agronegócio, formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – o Matopiba –, grande parte dos incêndios são criminosos, provocados por fazendeiros que querem ampliar suas áreas de monocultivo de grãos, eucalipto e para a criação de gado.

Na Europa, a situação é parecida. Na época de tempo seco e altas temperaturas – turbinadas pela emergência climática – os incêndios também têm feito estragos e ganhado destaque nos noticiários: mais de um milhão de hectares já foram devastados pelas chamas em 2025 na União Europeia.

Casas de palha em meio ao fogo em Cocalinho

No dia 19 de agosto, o Território Quilombola Cocalinho, em Parnarama, no Cerrado maranhense, um incêndio de grandes proporções colocou a comunidade em peso para lidar com as chamas. 

De acordo com os dados do Sistema Alarmes, desenvolvido pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da UFRJ, o início do incêndio no território foi por volta das 4h da manhã daquele dia. De acordo com uma das lideranças da comunidade, pessoas que faziam parte da Brigada Comunitária José Cândido se mobilizaram com equipamentos para conter o incêndio.

Por volta de meio dia, pessoas da comunidade tiveram de subir em suas casas com água para evitar que o fogo tomasse conta das estruturas, em sua grande maioria feitas de palha. Conforme informações repassadas pela Comissão Pastoral da Terra do Maranhão (CPT/MA), não houve registro de ocorrência no território por parte do Corpo de Bombeiros do estado.

No vídeo produzido pela própria comunidade e publicado pelas nossas parceiras da Articulação Agro é Fogo, é possível ver o desespero das pessoas tentando conter a disseminação do fogo em uma terra seca e com vento forte.

De acordo com uma das lideranças, a comunidade conseguiu controlar o incêndio.

Suspeita recai sobre fazenda

O fogo que chegou até o Território Cocalinho teria se estendido de uma fazenda nas proximidades e há suspeita da ignição por parte de caçadores da região. De acordo com uma liderança entrevistada na época, já fazia três dias que os focos de incêndio ameaçavam a região. “O fogo está muito grande, não temos como apagar ele e está ventando muito. Ele não está mais próximo das casas, mas mata afora vai queimar, pois não temos condições de apagar”, contou.

Conforme dados do Dossiê Agro é Fogo, o território tem sofrido com a ofensiva do agronegócio em busca do avanço das monoculturas de eucaliptos e pastagens de pecuária desde 2009. Há anos os ataques vêm sendo denunciados, especialmente pela CPT/MA, que em 2014 tornou público as ações criminosas da empresa Suzano Papel e Celulose S/A em regiões próximas ao território.

Incêndio no Piauí

No dia 22 de agosto, uma liderança da comunidade tradicional Barra da Lagoa, no município de Santa Filomena, região de Cerrado no Piauí, informou que pessoas da comunidade estavam trabalhando intensivamente para apaziguar um grande incêndio que já durava quatro dias. Roças e plantações foram perdidas.

Um vídeo feito pela comunidade mostra a dimensão do fogo. “A comunidade não tem condições de entrar no fogo para tentar apagar”, relatou a liderança. De acordo com ela, a região do território ainda não possuí uma brigada comunitária estruturada devido à falta de equipamentos e transporte, dependendo assim do auxílio de órgãos competentes. Conforme apuração da Articulação Agro é Fogo, a unidade do Corpo de Bombeiros do Piauí que é responsável pelo território, está localizada em Floriano, município a cerca de 600 km de Santa Filomena.

Além de causar pânico nas mais de 30 famílias que vivem na comunidade da Barra da Lagoa, o incêndio atravessa também a vida das comunidades Chupé I e II, onde vivem mais dez famílias.

Assim como em Cocalinho, no Maranhão, foi a própria comunidade de Barra da Lagoa que conseguiu controlar o incêndio na área por meio da abertura de aceiros, que são faixas de terra sem vegetação que servem como barreiras que impedem a disseminação do fogo.

Área incendiada é de interesse de grileiros

O fogo em Barra da Lagoa teve sua ignição em uma área que está em processo demarcatório por parte do Instituto de Terras do Piauí (Interpi) e é de muito interesse de grileiros da região, conforme informação repassada à Agro é Fogo. As suspeitas de incêndio criminoso são grandes por parte da comunidade, uma vez que, no mesmo local, um trator foi passado recentemente sobre as demarcações realizadas pelo Interpi.

Sem Cerrado não existe Amazônia

Há anos que todos os olhos se voltam para a proteção da Amazônia, um dos biomas mais diversos e ameaçados do mundo. No entanto, é preciso ressaltar: sem o Cerrado não existe Amazônia e nenhum outro bioma fundamental à vida no planeta.

O Cerrado, conhecido como a savana mais biodiversa do mundo, ocupa cerca de 23,9% do território brasileiro – mais de dois milhões de quilômetros quadrados – e se estende em diferentes dimensões, incluindo zonas de transição, por 14 estados do país. Ele é conhecido como o berço das águas do Brasil. Suas raízes profundas, maiores que as copas, absorvem a água das chuvas e a depositam em reservas subterrâneas, chamadas de aquíferos.

E é no Cerrado que se encontram os dois principais aquíferos do país, o Urucuia-Bambuí e o Guarani. É no Cerrado também que nascem importantes rios do Brasil e da América do Sul, como o Paraguai, o Paraná, o São Francisco, o Doce, o Jequitinhonha, o Parnaíba, o Itapecuru, o Tocantins, o Araguaia, o Tapajós, o Xingu, além de vários afluentes do rio Madeira.  

Mais de 3.427 nascentes localizadas no Cerrado vertem água para o bioma amazônico, e as duas maiores extensões de terras continentais alagadas do planeta – o Pantanal e os “varjões” do Araguaia – têm também sua dinâmica hidrológica relacionada aos Cerrados e suas chapadas. Isso mostra a profunda interconexão das diferentes regiões ecológicas do país, e evidencia que o equilíbrio hidrológico da Amazônia e demais biomas depende diretamente do equilíbrio hidrológico do Cerrado.

A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, articulação formada por dezenas de organizações que atuam na defesa da sociobiodiversidade daquela região ecológica, incluindo seus povos e comunidades tradicionais, alerta que o desmatamento das chapadas para dar lugar a monocultivos de soja tem destruído esse sistema hidrológico. “Ao mesmo tempo, em diversas partes do Cerrado e suas zonas de transição, os povos e comunidades enfrentam a apropriação, contaminação, exaustão, assoreamento e barramento dos rios e águas pelos grandes projetos da mineração, agronegócio, portos e outros empreendimentos logísticos, usinas hidrelétricas e aquicultura.”

Em entrevista ao site Agência Brasil, o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e diretor do Instituto do Trópico Subúmido, Altair Sales Barbosa, ressaltou que, uma vez degradado, o Cerrado não se recupera totalmente. Disse, ainda, que é difícil cultivar as espécies desse bioma: das 13 mil catalogadas, apenas 180 são produzidas em viveiro.

“O Cerrado é diferente da Amazônia e da Mata Atlântica, por exemplo. Enquanto esses biomas têm 3 mil e 7 mil anos, o Cerrado tem mais de 45 milhões de anos que se completou totalmente. Como ele é muito antigo, evolutivamente já chegou ao seu clímax. Uma vez degradado, não se recupera jamais na plenitude de sua biodiversidade".

Apenas em julho desse ano, o Cerrado teve 571 mil hectares queimados. Segundo informações do MapBiomas divulgadas pela Articulação Agro é Fogo, os estados que mais queimaram naquele mês ficam integral ou parcialmente no Cerrado: Tocantins (203 mil hectares), Mato Grosso (126 mil hectares) e Maranhão (121 mil hectares).

Com informações da Articulação Agro é Fogo, Agência Brasil e Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

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