A luta das mulheres fortes de Sulawesi contra a exploração do níquel
3 de mar. de 2024
A ilha indonésia de Sulawesi é, atualmente, o epicentro global da indústria do níquel. A destruição do meio-ambiente está fazendo um da vida do povo um inferno. Sobretudo as mulheres estão sendo bastante afetadas - e estão oferecendo resistência. Em solidariedade, uma equipe de mulheres de “Salve a Floresta” e de uma rede internacional antimineração viajou para Sulawesi para oferecer apoio.
“Como produtoras agrícolas de pimenta, desfrutamos de bem-estar econômico. Temos uma casa, os nossos filhos tem condições de frequentar a escola e a universidade. Durante o período de cultivo e colheita da pimenta é garantida a ocupação de até 10 mil trabalhadores sazonais - com um salário diário de até 10 euros. Não precisamos que o conglomerado minerador PT Vale para dar-nos condições de subsistência!”.
Isso é o que nos diz a Hasna, uma agricultora orgânica de Loeha Raya, uma comunidade de 5 aldeias no sul de Sulawesi. Nós estamos de pé, com elas, em uma grande plantação de pimenteiras, as quais garantem uma boa renda a cerca de 800 famílias.
A natureza aqui está sendo destruída para nos proporcionar energia “verde”
O nosso time é composto pelas seguintes mulheres: a Guadalupe Rodríguez e a Rita Glaus, de “Salve a Floresta”, bem como a Natalie Lowrey, da Austrália, e a Lynda Sullivan, da Irlanda do Norte. Nossa equipe de 4 mulheres foi internacionalmente unida através da rede „Yes to Life – No to Mining“.
Em outubro de 2023, viajamos para Sulawesi para conversar com as mulheres do povo sobre como as consequências da mineração para a natureza e a sua terra afetam suas famílias. Nosso objetivo: Encontrar caminhos para apoiá-las.
Percorremos 2000 km em uma viagem de nove dias. Vimos, com nossos próprios olhos, a acelerada disseminação da mineração em nome da “revolução energética verde”. À nossa vista, vão se alternando minas de níquel, extração de areia, fundições e monoculturas de palmas de óleo. Somos acompanhadas por caminhões carregados de palmito, material de construção e carvão. O níquel necessário para as baterias dos carros elétricos demanda muita energia, a qual é produzida por meio de usinas movidas a carvão criadas exclusivamente para isso. A infraestrutura utilizada para o fornecimento de carvão e para o transporte dos produtos do níquel marca a paisagem profundamente com obras de construção de pontes, novas estradas, portos e um aeroporto: tudo está a serviço dessa indústria florescente.
“Não queremos mineração alguma - temos as nossas próprias empresas.”
Hasna, Agricultora de pimenta
Empresas internacionais estão explorando as minas de níquel em escala global. A Vale - sabidamente uma gigante do setor minerador - está no grupo das três maiores mineradoras do mundo. A Vale representa tudo o que se deve temer de um projeto de mineração. Por exemplo, no Brasil, como é sabe toda a gente, a Vale foi responsável pelo rompimento de sua barragem de rejeitos em Brumadinho, na qual morreram 270 pessoas.
Na Alemanha, a extração das chamadas matérias-primas críticas, como o níquel, é vista como decisiva para a tecnologia de baterias. Em um relatório do Ministério Alemão de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, datado do final de 2022, consta o seguinte: “O níquel está começando agora a ocupar o centro das atenções global, porquanto a demanda dos produtores de baterias está aumentando”. O níquel é utilizado não só na produção de carros elétricos, como também em turbinas eólicas e usinas nucleares.
Enquanto as autoridades alemãs estão planejando como ter acesso ao níquel para a construção de carros elétricos, as mulheres de Sulawesi estão resistindo contra a expansão das minas respectivas, pois o chamado Bloco de Mineração de Tanamalia está incluído na zona de exploração. Dois terços da floresta e dos campos de pimenta estariam perdidos. Isso corresponde a 17 mil hectares.
As mulheres querem que suas vozes também sejam ouvidas. A terra, a floresta e o lago são, para elas, além fonte de subsistência, também identidade. Foi por isso que a agricultora de pimenta Hasna fundou, juntamente com outras mulheres da comunidade, o grupo „Loeha Raya Women Fighters“.
A concessão obtida pela Vale na região já compreende 118 mil hectares. Em Sulawesi, como um todo, 370.000 hectares já são usados para exploração do níquel, sendo que existem autorizações para mais de 500.000 hectares. As mulheres de Loeha Raya, portanto, tem toda razão para se preocuparem. A autorização obtida pela Vale expira em dezembro de 2025.
Viagem ao inferno na Terra
A floresta tropical de Tanamalia pertence às últimas florestas intocadas ao sul de Sulawesi. Elas fornecem água potável para a população de Loeha Raya, além de ser um importante habitat para a flora e a fauna. Seu valor ecológico é significativo não apenas para a comunidade, mas também para a área de proteção no entorno do Lago de Towuti.
As mulheres convidaram-nos para visitar, com elas, a ilha de Mata Dewa (o Olho de Deus). Neste maravilhoso ambiente, elas querem nos proporcionar um sentimento do significado que as florestas e o lago têm para elas. Se a Vale deslocar as mulheres forçadamente de lá, a estreita relação delas com a natureza terá sido destruída. Nós compreendemos o quão enorme é a ameaça para a subsistência delas.
Nossa viagem nos conduz avante, para Sulawesi Central, na direção da comunidade de Tompira. Também aqui as mulheres resistem à extração do níquel, fundando a sua própria empresa. “Desse modo conseguimos evitar que nosso trabalho e dinheiro tenham origem nessa indústria suja”, declara Anty, da organização “Comunidade de Apoio para Mulheres e Crianças”. Os homens coletam conchas no rio e as mulheres transformam-nas em produtos para comercialização local. “Para isso, doze mulheres juntaram-se para formar uma cooperativa. O modelo já foi até implantado por outras comunidades” - isso é o que diz a Anty. No entanto, o empreendimento delas está ameaçado. Isso porque, para a extração de areia, o leito do rio é sugado, sendo levantado bastante sedimento, de modo que, rio abaixo, as conchas não conseguem mais viver bem.
Quando saímos de Tompira, somos confrontadas com o inferno na Terra. Depois de rodarmos por várias horas, acabamos por pernoitar em Labota, no meio do Parque Industrial Morowali (IMIP), que vem a ser o epicentro mundial da produção de níquel para atender a demanda do florescente mercado de carros elétricos. Aqui trabalham 81.000 pessoas, a maioria delas em condições tão péssimas que, desde 2020, já causaram a morte de 30 pessoas.
Embora sejamos bem informadas a respeito dos efeitos da mineração e já há décadas ofereçamos apoio a comunidades que a ela resistem, o que vimos no parque industrial de 2.000 hectares superou os nossos piores receios. Há apenas uma década, Labota era uma aldeia de pescadores. Agora, a paisagem é marcada por usinas termoelétricas, fábricas de aço e fundições, guindastes e postes de eletricidade. Para nós, são dois dias de intenso barulho, sujeira, lama, pó e lixo. Todas que vivem na área partem do pressuposto de que sofrerão deslocamento forçado, para assim, liberar ainda mais espaço para a crescente indústria. Tudo isso é profundamente desumano.
As mulheres da floresta têm uma relação profunda com a natureza. Elas têm medo dos efeitos que a mineração traz consigo: Enchentes, poluição, deslizamentos e mudança do clima.
Herli, Aliansi Sulawesi
No final de nossa viagem, encontramos em Torobulu, na região sudeste de Sulawesi, mulheres que são criminalizadas porque resistem à expansão da mineração, defendendo o seu direito a um meio-ambiente saudável e a proteção à natureza. Somos recebidas com uma refeição espetacular. As expectativas quanto à nossa visita são altas - somos o primeiro grupo de mulheres que vem visita-las para oferecer solidariedade. Para ouvir as histórias que elas têm para nos contar.
Uma delas é Mama Kilia. Ela lidera a resistência e nos conta que seu grupo está ameaçado por um processo judicial em razão de seus protestos e ações contra a mineração. Durante a nossa conversa, aparece o filhinho dela. Ele quer abraçar a mãe. Mama Kilia consola-o e pede que ele volte para a companhia do pai, o qual está nas proximidades, com um grupo maior de pessoas. A criança, então, começa a chorar desesperadamente. “Ele está traumatizado”, explica-nos a Mama Kilia. Ele estava junto comigo quando a polícia me prendeu e me deteve com violência. Por isso, constantemente ele tem medo que isso aconteça de novo.” Este medo está sempre presente - nesse meio-tempo, 26 mulheres já registraram um boletim de ocorrência.
No final de nossa visita dançamos todas uma dança tradicional, inclusive para relaxar. Jamais devemos nos esquecer o quanto o nosso consumo das sociedades do Norte Global é um fardo para a vida das mulheres neste lado do planeta.
Entre em ação
A sua doação ajuda!
Nossa viagem para Sulawesi mostrou o quão dramaticamente as pessoas são afetadas pela expansão da extração do níquel. E a ameaça vai se agravar ainda mais com a revolução energética.
É por isso que apoiamos as comunidades que defendem suas florestas e fontes de subsistência contra a exploração e a destruição pela mineração. Já faz muitos anos que trabalhamos em conjunto com a “Aliansi Sulawesi”, uma Aliança pela proteção da natureza e dos direitos humanos na ilha.
Por favor, colabore também, contribuindo com essa causa por meio de uma doação. Isso para que, com a sua ajuda, essas mulheres e suas famílias possam continuar vivendo, no futuro, de seus próprios meios e com a natureza em seu entorno. Obrigada!