A UE não vai colocar dinheiro no projeto ferroportuário GPM na Amazônia brasileira
6 de dez. de 2024
Estivemos em Bruxelas, no fim de novembro, junto com organizações parceiras do Brasil, para impedir o fluxo de dinheiro da UE para um planejado projeto ferroportuário na Amazônia brasileira. Com sucesso! Nossa carta e a nossa visita foram muito importantes, e no fim a UE declarou que não vai colocar dinheiro nesse projeto.
Ao longo de 5 meses, vínhamos reiteradamente tentando entrar em contato com a Comissão Europeia. Agora, no final de novembro de 2024, finalmente conseguimos. Com 8 pessoas - e cinco delas, do Brasil - sentamos em uma sala de reunião da Comissão Europeia em Bruxelas.
Trata-se do possível financiamento da UE de um planejado projeto ferroportuário na Amazônia brasileira, contra o qual “Salve a Selva” e suas parceiras brasileiras já vinham ativamente se engajando há dois anos. No Brasil, quem conduz a campanha é a associação Justiça nos Trilhos.
No estado do Maranhão, três negociantes portugueses estão planejando construir uma ferrovia cargueira privada com 520 km de extensão, bem como um porto industrial de exportação na costa atlântica. O objetivo desse projeto, denominado Grão-Pará-Maranhão (GPM), é promover mais a exportação de produtos agrários e de mineração, ou seja: soja, milho, minério de ferro e hidrogênio.
Para a natureza do Brasil - vale dizer, a floresta amazônica e o vizinho cerrado, bem como a população indígena e as comunidades tradicionais lá viventes - esse plano, e conseqüentemente a almejada ampliação do cultivo e exploração de matérias-primas significaria uma enorme ameaça.
Derrubada da Amazônia com dinheiro da UE?
Em março deste ano, tornou-se público que a GPM estava em conversas com a UE, para fins de obtenção de financiamento, com a Iniciativa Global Gateway. Para quem não sabe, a Global Gateway é a resposta europeia para a iniciativa chinesa conhecida por “Nova Rota da Seda”. A Comissão Europeia quer financiar, globalmente, projetos de infraestrutura na competição com a China, para, assim, garantir o acesso da indústria europeia aos mercados de matéria-prima e de vendas. Nisso, estão incluídos portos, ferrovias, rodovias, usinas e linhas de transmissão de energia, água e dados. Também os sistemas de saúde e educação devem receber apoio, muito embora uma boa parte das verbas deva ser utilizada por bancos, investidores e empresas.
Foram feitas três apresentações do projeto GPM em Bruxelas, isso nós ficamos sabendo por fontes fidedignas. Uma delas ocorreu em maio, na sede da UE, por ocasião de uma reunião dos Comissários da UE Jutta Urpilainen e Maroš Šefčovič com governadores de estados do Brasil. Será que a decisão da UE de financiar o projeto era iminente, ou talvez até estivesse decidida? Foi justamente o que procuramos saber.
A Comissão Europeia ignorou nossas tentativas de contato
Ao longo de 5 meses, nós vínhamos escrevendo para diferentes funcionários da União Europeia, dentre eles a sua Presidente, Ursula von der Leyen. Em nossas cartas, vínhamos pedindo uma audiência e solicitávamos que a UE, em hipótese alguma, financiasse o Projeto GPM. Fundamentamos nosso pedido detalhadamente, mostrando as graves consequências sociais e ecológicas que tal projeto acarretaria.
Não obtivemos resposta da UE, em verdade não obtivemos sequer uma confirmação de recebimento. Foi só no final de outubro que foi possível marcar, por telefone, uma conversa com a Comissão Europeia. Feito isso, combinamos outras reuniões com eurodeputados, bem como encontros com organizações de desenvolvimento belgas - e viajamos para Bruxelas. Lá, conversamos com Paolo Toselli e Julia Fernandez-Puertas, dois funcionários da Direção-Geral de Parcerias Internacionais da Comissão Europeia:
“Os operadores do Projeto GPM apresentaram-se como especialistas, eles sabiam perfeitamente do que a UE estava à procura, de projetos para a produção e exportação de hidrogênio verde”, começa Paolo Toselli. “Eles declararam que teriam, no Brasil, um lugar inacreditável para produzir hidrogênio verde com energias renováveis pelos preços mais baixos do mundo. “
Em 2023, a UE teria tratado o Projeto GPM como um projeto-vitrine, segundo Toselli. No entanto, a certa altura ficou claro que os operadores da GPM não dispunham de documentação alguma e o projeto deles consistia em puro marketing. ” Apresentamos o projeto ao Banco de Investimento Europeu (EIB) “, declarou o funcionário da UE. A resposta do banco foi a seguinte: o operador não dispõe de recursos próprios, e não há qualquer estudo de impacto ambiental ou social, de modo que o banco não tem como apoiar esse tipo de projeto.
A companhia ferroviária alemã (DB) foi quem fez a ponte entre a GPM e a Comissão Europeia
Há cerca de quatro meses que ele não tinha mais notícias da GPM, nem da DB, declarou Paolo Toselli. A DB é que teria feito a ponte da GPM com a Comissão Europeia. E a DB também teria estado presentes nas apresentações feitas pela GPM em Bruxelas.
“Salve a Floresta” já vinha se opondo, há meses, à participação da DB no projeto, por meio da petição “A companhia de trens alemã DB deve ficar fora da Amazônia!”. Mais de 63.000 pessoas já participaram dessa petição. A ocasião fora um Memorandum of Understanding (MoU), que uma subsidiária da DB -a DB E.C.O. Group - havia assinado no início de 2023 com a GPM, cujo objeto era o desenvolvimento comum do projeto e a posterior operação da ferrovia.
Justiça nos Trilhos, Misereor e “Salve a Floresta” deram entrada na DB, conjuntamente, a uma queixa contra o projeto em maio de 2024, havendo, ainda, feito uma manifestação contra o plano à frente da sede da DB, em Berlim. No entanto, o chefe da DB, Dr. Richard Lutz, bem como a seção de queixas, minimizaram a responsabilidade da DB, declarando “que a DB E.C.O.Group, com isso, simplesmente haveria declarado que teria interesse, em tese, no projeto. “
E agora ouvimos da Comissão Europeia que foi a DB - uma empresa que pertence 100% ao Estado alemão - que fez a ponte da GPM com a Comissão Europeia para fins de financiamento do projeto. Acontece que a DB, a olhos vistos, tinha plena consciência dos efeitos do projeto, porquanto logo depois do nosso protesto e da apresentação de nossa queixa, ela silenciosamente apagou da sua homepage o comunicado à imprensa anteriormente publicado sobre o projeto da GPM. O artigo, contudo, continua arquivado no Internetarchiv WayBackMachine.
Os Projetos-Vitrine da Global Gateway não são reais
Quase duas semanas depois de nossa visita a Bruxelas, a UE publicou uma Lista dos Projetos-Vitrine da Global Gateway para 2025. O Brasil está representado no setor de transportes, “para o fim de, com o desenvolvimento e a construção de um porto no Maranhão, criar um corredor verde e digital para a Europa.”
Assim declarou por telefone o funcionário Toselli, da UE: “Isso são start-ups, esses projetos encontram-se em fase embrionária, não há apoio algum, tampouco um estudo social ou ambiental para isso. Eles são anunciados pela Comissão Europeia como se fossem projetos de verdade; mas, de fato, eles não o são.”
No Brasil, até o momento, nem sequer um único projeto estaria sendo financiado pelo Global Gateway, declara Toselli, salientando ter sido muito bom que tenhamos escrito a carta à UE, bem como que tenhamos ido para Bruxelas. Global Gateway precisaria melhorar, urgentemente, sua comunicação, e o mais tardar até março de 2025, data em que está sendo planejada uma reunião de cúpula entre o Brasil e a União Europeia.
Para nós, isso foi um verdadeiro banho de água fria sobre nossas cabeças. É com esse tipo de acrobacia que a Comissão Europeia divulga e faz a sua política internacional? Ora, isso é uma falta de responsabilidade e seriedade total. Aparentemente a UE - e também o governo federal alemão - estão enganando a opinião pública. Desde setembro de 2022, a Comissão Europeia, em conjunto com os Estados-Membros, apresentou mais de 220 projetos que devem ser fomentados pelo Global Gateway, conforme escreve o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.
Posto isso, vem a pergunta que não quer calar: quantos desses projetos são verdadeiros e serão, de fato, fomentados? A quem a Comissão Europeia deve se dirigir, caso ela tenha perguntas sobre o projeto? Por que a Comissão Europeia não responde aos contatos por escrito, quando bem fundamentados? E por quê não há na Global Gateway um setor que receba queixas referentes aos projetos?
Pedimos ao funcionário da UE, Paulo Toselli, uma resposta por escrito relativamente ao projeto ferroportuário GPM na Amazônia brasileira. “Redigi um posicionamento relativo ao Projeto GPM; os meus superiores pediram que eu fizesse algumas correções e pequenas mudanças, mas a delegação da UE no Brasil não estava de acordo, e eles também se irritaram com o fato de eu ter me encontrado com vocês”, declara Toselli ao telefone.
Portanto, não teremos nenhuma resposta por escrito da UE. Mas não vamos deixar barato e vamos continuar de olho na Iniciativa Global Gatewa.
Mais informações:
- Articulação Anti GPM https://www.instagram.com/antigpm/
- Justiça nos Trilhos: https://justicanostrilhos.org/liderancas-de-alcantara-e-piquia-de-baixo-partilham-experiencias-de-luta-em-encontro-que-discute-impactos-do-projeto-grao-para-maranhao/
já vinham ativamente se engajando há dois anosRettet den Regenwald e.V. (“Salve a Floresta”), 04-3-2023. Amazônia brasileira: Projeto de ferrovia e porto com participação alemã está ameaçando pessoas e a natureza: https://www.salveafloresta.org/atualizacoes/11250/brasil-projeto-de-ferrovia-e-porto-com-participacao-alema-esta-ameacando-pessoas-e-a-naturezar
GPM estava em conversas com a UE, para fins de obtenção de financiamento, com a Iniciativa Global GatewayO Informante, 24.3.2024. José Reinaldo destaca importância histórica da possibilidade do primeiro financiamento apoiado pela União Europeia: https://portaloinformante.com.br/noticias/2024/03/jose-reinaldo-destaca-importancia-historica-da-possibilidade-do-primeiro-financiamento-apoiado-pela-uniao-europeia/
Comissão Européia (sem data). Global Gateway: https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/stronger-europe-world/global-gateway_de
a DB E.C.O. Group - havia assinado no início de 2023 com a GPM Group, 3.2.2023. Solução de logística multimodal do Brasil para cadeias de fornecimento sustentáveis: https://web.archive.org/web/20230320184309/https://db-eco.com/de/brasiliens-multimodale-logistiklosung-fur-nachhaltige-versorgungsketten/
o chefe da DB, Dr. Richard LutzCarta-Resposta do Dr. Richard Lutz, Presidente do Conselho de Administração da DB, de 26-06-2024: https://www.regenwald.org/files/de/Antwortschreiben-Dr-Lutz-DB-Vorstandsvorsitzender-27-6-24.pdf
Internetarchiv WayBackMachine.DB E.C.O. Group, 3.2.2023. Solução de logísca multimodal do Brasiliens para cadeias de fornecimento sustentáveis: https://web.archive.org/web/20230320184309/https://db-eco.com/de/brasiliens-multimodale-logistiklosung-fur-nachhaltige-versorgungsketten/
Lista dos Projetos-Vitrine da Global Gateway para 2025Conselho da União Europeia, 2.12.2024. Global Gateway: Conselho Europeu aceita Lista dos Projetos-Vitrine para 2025: https://www.consilium.europa.eu/de/press/press-releases/2024/12/02/global-gateway-council-endorses-flagship-project-list-for-2025/
Brasil está representadoCouncil of the European Union, 22.11.2024. Draft proposal for a list of Global Gateway flagship projects for 2025 and for amending the lists of Global Gateway flagship projects for 2023 and 2024: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15281-2024-INIT/en/pdf
conforme escreve o Ministério das Relações Exteriores da AlemanhaAuswärtiges Amt, 22.7.2024. EU Global Gateway: Parcerias Globais criando padrões democráticos e sustentáveis: https://www.auswaertiges-amt.de/de/aussenpolitik/europa/aussenpolitik/eu-global-gateway-globale-partnerschaften-fuer-demokratische-und-nachhaltige-standards-2606232