Covas do Barroso em Portugal: na Europa também se defende a terra

Participantes do Acampamento em Defesa do Barroso, em Covas do Barroso, Portugal, se manifestam pelos passeios da aldeia com uma faixa na qual se lê "Barroso vive e resiste" Manifestação entre Covas do Barroso e a aldeia vizinha, Romainho, também afetada pelo plano de mineração (© Florian Scheible) Fernando Queiroga, presidente da Câmara Municipal de Boticas, na abertura das atividades do IV Acampamento Barroso sem Minas, em Covas do Barroso, Portugal O presidente da Câmara Municipal de Boticas dá boas-vindas e abre as reuniões, eventos e discussões que tiveram lugar no acampamento (© Salva la Selva) Aida Fernandes, de Covas do Barroso, com uma camiseta contendo o texto "Green is Barroso, No to the Mines"; ao fundo, uma faixa que marca o contraste entre a mineração e a natureza íntegra Aida Fernandes, de Covas do Barroso, no início de uma caminhada sensorial ao redor de Covas do Barroso (© Salva la Selva) A Sra. Albina, de Covas do Barroso, mostra-nos alguns de seus trabalhos de crochê - Enquanto as máquinas da mineração são bloqueadas, faz-se crochê A Sra. Albina fazendo crochê para resistir (© Salva la Selva) Faixa com o texto "Solidariedade com o Barroso" Solidariedade com o Barroso (© Salva la Selva) Cartaz do filme "A Savana e a Montanha" Cartaz do filme "A Savana e a Montanha"

23 de ago. de 2024

No último verão, estivemos em Portugal para participar do Acampamento em Defesa da Aldeia de Covas do Barroso. A região desta pequena comunidade rural é considerada Patrimônio Agrícola Mundial pela ONU, devido à biodiversidade e à importância de sua agricultura. Não obstante, os planos de mineração de lítio estão ameaçando a comunidade e contra isso está havendo grande resistência.

A defesa da terra não é exclusiva dos países tropicais, assim como a importância dos ecossistemas também não está limitada aos ecossistemas florestais.  Entre 15 e 19 de agosto, centenas de pessoas e numerosas organizações, nas quais estamos incluídos, juntamo-nos para rechaçar um plano de mineração de lítio que está a ameaçar uma região agrícola de importância mundial no coração da Europa. Trata-se da pequena aldeia de Covas do Barroso, que fica no norte de Portugal.

Os planos da empresa são de abrir uma grande mina de lítio a céu aberto, a qual, segundo o projeto, abarcaria 500 hectares. A comunidade começou a notar as diferenças existentes entre o que a empresa diz e aquilo que a empresa faz. Entre outras coisas, que a licença de exploração que eles tinham era para explorar feldspato e quartzo, mas o que eles estavam explorando lítio. Uma das fossas por eles abertas tinha 100 metros de profundidade. 

O projeto significa a escavação de milhões de toneladas de rochas e a produção de estéreis, rochas, quatro escombreiras, das quais três seriam permanentes e uma temporária.

Não é que se trata de uma empresa internacional. Simplesmente, trata-se de uma empresa de especulação financeira, explicam Catarina Scarrot e Nelson Gomes. Eles terceirizam as operações, transferindo a outros a responsabilidade pelos erros que podem ser cometidos. Eles enchem a boca para falar de “empregos e desenvolvimento”, enquanto ocultam impactos graves como o deslocamento da população. Um dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) continha seis mil páginas. Contudo, muitas das informações lá contidas não estavam de acordo com a realidade, e para contestá-lo, seria necessário ter lido tudo isso em apenas trinta dias. 

Homenagear e aprender com a defesa popular da terra

Depois de sete anos de trabalho intenso na defesa da comunidade, da sua biodiversidade agrícola, flora e fauna, assim como das tradições ancestrais, os moradores agora estão fartos e cansados. Muito já tem mais de 60 anos e um pressuposto da resistência é que se tenha considerável capacidade de esforço físico.

No calor de agosto, eles contaram-nos que vem sofrendo continuamente por parte da empresa de mineração Savannah muitas agressões de todo o tipo (tais como intimidações, ameaças de denúncias judiciais e outras). Deste modo, a solidariedade e a atenção internacional é fundamental. Por isso, pelo quarto ano consecutivo, Covas do Barroso voltou a unir suas forças com a de muitos outros coletivos que apoiam a sua defesa da terra. Assim, o Acampamento foi feito, de novo, com toda a sua magia solidária.

O município de Boticas é contra o projeto de mineração

O despropósito do plano da empresa de mineração para a região é tamanho que até mesmo o município de Boticas - ao qual pertence Covas do Barroso -é frontalmente contra o projeto. Talvez esta seja uma das razões-chave pelas quais a empresa ainda não conseguiu realizar os seus propósitos. E isso, não obstante o apoio da Comissão Européia que crê poder obter daí a matéria-prima necessária para avançar com seus planos de criar una indústria de veículos elétricos e para a digitalização no âmbito doméstico europeu.

Dois grandes paradoxos

O primeiro paradoxo é que a corrupção que se presume ter havido na gestão deste projeto de mineração de lítio fez cair a cabeça do  ex-primeiro-ministro português, Antonio Costa, em novembro do ano passado.

O segundo paradoxo é que a estratégia proposta pela Europa para mitigar a mudança do clima passa por destruir comunidades como Covas do Barroso, em Portugal, mas também muitas outras comunidades no Sul Global do planeta, as quais, respeitando a natureza por princípio e alijadas do consumo, protegem o clima, no dia-a-dia, simplesmente com o seu modo de vida.

Não à mina, sim à vida

Covas do Barroso vem mantendo um bloqueio para impedir as máquinas da mineradora Savannah de trabalhar nas montanhas, ao longo dos sete meses que incluíram todo o inverno. A empresa pretendia seguir adiante com a prospecção de lítio nos chamados baldios, que são terrenos comunitários que a comunidade está a proteger, pois não quer que eles sejam submetidos à prospecção. A disputa está nos tribunais.

Participar de um bloqueio pode ser constrangedor para as pessoas da aldeia, que estão acostumadas a respeitar as autoridades, especialmente quando tomam consciência de que estão sendo criminalizados. Isso porque os participantes do bloqueio estavam sendo identificados, sendo colocados em uma situação de vulnerabilidade.

Por outro lado, a resistência está cada vez mais forte e a rede de solidariedade não tem deixado de crescer, desde que os visitamos pela primeira vez, em 2018. Nesta ocasião, a Sra. Albina ensinou-nos a fazer crochê, atividade essa que ela já estava ensinando aos participantes dos bloqueios às atividades de mineração. Não durmam sem antes saber de mais uma coisa: Muito obrigada Albina! Muito obrigada, Covas do Barroso!

Filme: «A Savana e a Montanha»

Durante o acampamento, ocorreu a estréia nacional do filme “A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, que reconstrói o processo de resistência da comunidade com os seus próprios protagonistas.

O filme, antes disso, tinha sido apresentado uma única vez, e isso, nada mais, nada menos que na Quinzena dos Cineastas, de Cannes. Em setembro, o documentário foi também exibido no Festival de Cinema de Hamburgo.

O trailer do filme e sua sinopse podem ser vistos em Film Affinity.

O projeto de Covas do Barroso não é o único do tipo em Portugal. Há muitos outros na área do Barroso, e cada um se encontra, atualmente, em uma diferente fase.


  1. o apoio da Comissão Européia que crê poder obter daí a matéria-prima necessária para avançar com seus planos de criar una indústria de veículos elétricos

    Sobre o Regulamento Europeu das Matérias-Primas Críticas, ver:

    https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/european-green-deal/green-deal-industrial-plan/european-critical-raw-materials-act_pt

  2. cair a cabeça do  ex-primeiro-ministro português, Antonio Costa, em novembro do ano passado.https://www.publico.pt/2023/11/07/politica/noticia/antonio-costa-tambem-alvo-suspeitas-processo-relacionado-exploracao-litio-2069335

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