Ninguém protege a floresta tropical melhor do que os povos da floresta.
2 de abr. de 2021
As florestas tropicais são especialmente bem protegidas, quando habitadas pelos povos dela originários, que por ela se responsabilizam. Daí porque garantir e fortalecer os direitos desses povos é elemento da conservação das florestas, da biodiversidade e da luta contra a catástrofe climática. Um novo estudo da ONU chegou a essa conclusão.
As comunidades de povos da floresta precisam gozar de alta prioridade, conforme os autores do estudo. Quando florestas são administradas pelo governo, firmas ou pessoas jurídicas, suas condições de conservação são menores, e/ou a sua destruição avança mais rapidamente.
Tanto é assim que, na Amazônia, por exemplo, 45% das florestas intactas estão situadas em territórios indígenas. Lá já desapareceram cerca de 4,9% das florestas, só entre os anos 2000 e 2016. Fora dessa área, a quota de desaparecimento foi de 11,2%. Se os povos da floresta lidassem com as matas de forma tão destrutiva, logo a Amazônia poderia atingir um ponto de não-retorno, no qual o clima local se alteraria de forma irreversível e a floresta tropical seria irrecuperavelmente degradada à condição de savana.
“Para os povos da floresta, as matas são um lugar espiritual. Elas fornecem alimentos e medicamentos. Elas são o lugar em que relações são construídas – não apenas entre pessoas – mas também com rios, águas e espécies diferentes”, ressalta Myrna Cunningham Kain, Presidente do Fundo de Desenvolvimento para os Povos Indígenas na América Latina e no Caribe (FILAC).
São os valores culturais e o conhecimento tradicional que explicam porque os povos da floresta são aqueles que melhor a protegem. Que suas formas de vida e economia são frequentemente mais favoráveis ao meio-ambiente tem base em fatos, não sendo “imaginação romântica ou ingênua”, escrevem os autores. Por isso, saberes culturais, tradições e línguas precisam ser reavivados e promovidos. Nesse ponto, as mulheres e o diálogo entre as gerações exercem um papel especial.
Ademais, é importante que direitos coletivos e assegurados sobre as terras sejam garantidos e mantidos pelo Estado, de modo que sejam protegidos, por exemplo, contra o ataque de madeireiros e fazendeiros, bem como do roubo de terras. Enquanto na América Latina e no Caribe povos indígenas vivem em 404 milhões de hectares – dos quais 330 milhões são florestas, sendo 173 milhões intactas – somente 269 milhões de hectares foram formalmente reconhecidos pelos governos como territórios indígenas.
Meros direitos sobre as terras, porém, não impedem conflitos violentos, quando o Estado negligencia no que toca ao respeito a tais direitos. Também contribui para os conflitos o fato de que os direitos sobre as terras são limitados à sua superfície, não se estendendo ao subsolo. Assim é que, mesmo em terras indígenas protegidas, são concedidas autorizações para a exploração de petróleo ou de mineração.
Outros elementos são pagamentos pela proteção da floresta, Community Forest Management, direito de ser ouvido(a), autonomia administrativa e fortes organizações indígenas de nível local.
O estudo da ONU chega em um momento em que vários povos da floresta estão lutando por sua existência, em especial por conta da pandemia de coronavírus e da política do Presidente Jair Bolsonaro, no Brasil, onde a destruição da floresta nos territórios indígenas aumentou, entre 2016 e 2018, em 150%. Mas também em outros países a pressão contra os territórios indígenas vem aumentando.
Para o Relatório Forest Governance by Indigenous and Tribal Peoples, das Organizações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da FILAC, foram avaliados mais de 300 estudos datados dos últimos 20 anos. O conceito de “tribal people”, por exemplo, é aplicado para comunidades de descendentes de africanos, que vivem de maneira semelhante a dos povos da floresta e tal como estes, são marginalizados.