A DB na Amazônia? Projeto da companhia de trens alemã está ameaçando comunidades locais

Olhar a partir de um convés sobre a água - ao fundo, terra e palmeiras Olhar em direção à pequena Ilha do Cajual, onde deve ser instalado o planejado terminal privado portuário (© RdR/ Klaus Schenck) Mapa com a localização dos limites do projeto portuário TPA Localização do planejado terminal portuário na Ilha do Cajual, Baía de São Marcos na costa atlântica maranhense (© Collage RdR: Google Earth + TUBS CC BY-SA 3.0 DEED)

22 de mai. de 2024

Evento público para promover discussão em Berlim no dia 30 de maio de 2024, das 19 às 21 horas, com Flávia Nascimento e Mikaell Carvalho, membros da organização brasileira “Justiça nos Trilhos”, que é nossa parceira.

Empresas subsidiárias da companhia de trens alemã DB estão querendo participar de um planejado projeto ferroportuário de carga na Amazônia brasileira. O plano está ameaçando áreas de proteção ambiental e comunidades locais. Mas ainda não é tarde demais. Flávia Nascimento e Mikaell Carvalho, membros da organização brasileira “Justiça nos Trilhos” - que é nossa parceira – prestarão informações em Berlim sobre a resistência que a população vem oferecendo ao destrutivo projeto:

Data e horário: quinta-feira, 30 de maio de 2024, 19:00 - 21:00

Local: Rosa-Luxemburg-Stiftung
Straße der Pariser Kommune 8A
10243 Berlim

Bem ao lado da estação Ostbahnhof!

Línguas: Alemão-Português com interpretação simultânea

Evento realizado em conjunto por “Salve a Floresta” (Rettet den Regenwald e.V.), Red Iglesias y Minería, KoBra, FDCL e a Fundação Rosa-Luxemburg.

Aqui algumas informações sobre o contexto: Três negociantes portugueses estão planejando, bem na Amazônia brasileira, a construção de um terminal portuário de exportação em conjunto com estruturas ferroviárias de transporte de carga. O denominado Projeto Grão Pará Maranhão (GPM) prevê a instalação de um porto de águas profundas particular na pequena Ilha do Cajual, na costa atlântica maranhense, bem como um terminal completo. Trata-se do Terminal Portuário de Alcântara (TPA). Daí deverão ser transportadas matérias-primas como soja, minério-de-ferro e hidrogênio verde para exportação, e assim, satisfazer a fome de matéria-prima da China, da Europa e dos Estados Unidos.

Essas matérias-primas deverão ser transportadas para o porto por uma planejada ferrovia (igualmente privada) de 520 km (EF-317) a ser instalada entre Açailândia, no interior, e Alcântara, na costa atlântica. A ferrovia não vai servir para o transporte de pessoas.

Em janeiro de 2023, a DB ECO GROUP, uma subsidiária da DB, assinou um memorando de entendimento com a GPM. O memorando prevê a participação no planejamento comum e, mais para a frente, na operação da ferrovia, embora a DB Engineering & Consulting vá assumir o papel de “shadow operator“ (operador oculto) do projeto.

O projeto privado afeta diretamente áreas de proteção na Amazônia

A parte ocidental do Maranhão, onde está planejada a instalação dos trilhos ferroviários e do porto, é parte da Amazônia e da área de proteção ambiental denominada “Reentrâncias Maranhenses”. Esta, segundo a Convenção de Ramsar, é uma zona úmida de importância internacional.

Ao longo da costa maranhense e do estado vizinho, o Pará, vai se estendendo, até o estuário do Rio Amazonas, a maior zona de manguezais intactos do mundo. Nesse habitat vive uma enorme diversidade de espécies, dentre as quais muitas estão ameaçadas, como, por exemplo, o exuberante guará (Eudocimus ruber), que tem na Ilha do Cajual uma colônia muito importante. A parte oriental do Maranhão, por outro lado, é coberta pelo também ameaçado cerrado, que igualmente tem rica biodiversidade.

O povo que vive na área abarcada pelo projeto não foi sequer informado a respeito desses planos. Eles continuam sem ter a mínima idéia a respeito dos efeitos que um projeto desses vai produzir. Tal procedimento viola o direito das comunidades indígenas de serem consultadas, bem como o direito de dar um consentimento livre, prévio e informado (FPIC). É isso que prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma organização especial das Nações Unidas, da qual tanto a Alemanha como o Brasil são partes signatárias.

Indígenas e quilombolas estão sendo ameaçados

Os trilhos do trem de carga vão cruzar com 21 comunidades. Também três áreas quilombola estão diretamente afetadas pelos trilhos da ferrovia. Os quilombolas, como é sabido, são os descendentes de pessoas que, no passado, foram levadas ao Brasil à força, e, escravizadas, resistiram à escravização fugindo de seus algozes e fundando em matas de difícil acesso comunidades nas quais podiam viver livremente. Conforme a Constituição do Brasil, os quilombos gozam de um status jurídico especial. Além disso, a ferrovia vai ser instalada diretamente sobre 16 assentamentos de reforma agrária, vale dizer, áreas do Estado brasileiro destinadas exclusivamente à atividade produtiva de pequenas famílias agricultoras.

Mas não só. A linha ferroviária EF-317, vai passar, ao que tudo indica, muito perto de seis Terras Indígenas. Em Awá, Caru, Alto Turiaçu e Araribóia, já foi oficialmente reconhecida a presença de grupos indígenas que vivem em isolamento, de forma voluntária. A população indígena sem contato com a população dominante já vive seriamente ameaçada por outros fatores, como a invasão das florestas por madeireiros ilegais, o desmatamento criminoso da parte de grandes pecuaristas e produtores de soja, bem como a invasão de garimpeiros ilegais. Como se não bastasse, uma parte desta área indígena já é afetada pela Ferrovia dos Carajás, de propriedade do conglomerado minerador Vale.

O Maranhão é o estado do Brasil que tem uma das mais altas taxas de violência e homicídio contra a população indígena. A construção de uma nova linha ferroviária e de um novo terminal portuário de exportação vai agravar ainda mais a pressão pela terra e com isso, aumentará o número de conflitos fundiários sangrentos.

A GPM argumenta que a linha ferroviária vai ser instalada a mais de 10 km de distância das Terras Indígenas e, por conseguinte, não as afetaria. Essa premissa, no entanto, tal como já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, além de ser errada, não é aplicável. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ainda que o empreendimento em si não esteja totalmente localizado em áreas indígenas, os seus impactos negativos - como, por exemplo, maior pressão sobre a área, danos nas florestas, nas águas, na qualidade do ar - podem, obviamente, abranger área muito superior à do próprio empreendimento.

Sobre a organização “Justiça nos Trilhos”

“Justiça nos Trilhos” (JnT) foi criada em 2007, inicialmente como uma campanha para colocar em contatos, umas com as outras, as comunidades afetadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC). Esta ferrovia usada para transporte de carga, igualmente privada, é operada pela multinacional brasileira Vale S.A., uma das maiores mineradoras do mundo. Essa ferrovia se estende de Carajás, na Amazônia - onde está a maior reserva de minério de ferro do mundo - até o terminal portuário de São Luís, a capital maranhense situada na costa atlântica. Já faz décadas que a Vale vem desrespeitando os direitos fundamentais das comunidades cortadas pela ferrovia. Para combater esses abusos, “Justiça nos Trilhos” faz a ponte entre as pessoas viventes nas comunidades afetadas, organizando encontros e eventos,  apoiando-as quanto à auto-organização, proporcionando-lhes assistência jurídica que, às vezes, acabam culminando no ajuizamento de ações, em nome dos afetados, contra as empresas responsáveis e o Estado.

Mais informações: Brasil: Projeto de ferrovia e porto com participação alemã está ameaçando pessoas e a natureza https://www.salveafloresta.org/atualizacoes/11250/brasil-projeto-de-ferrovia-e-porto-com-participacao-alema-esta-ameacando-pessoas-e-a-natureza


  1. 21 comunidadesAlcântara, Bequimão, Peri Mirim, Palmeirândia, São Bento, São Vicente Ferrer, Olinda Nova do Maranhão, Matinha, Viana, Pedro do Rosário, Penalva, Monção, Zé Doca, Governador Newton Bello, Alto Alegre do Pindaré, Santa Luzia, Buriticupu, Bom Jesus das Selvas, Amarante do Maranhão, São Francisco do Brejão e Açailândia

  2. três áreas quilombolaTanque de Valença, Quilombo Alcântara e Aguiar

  3. seis Terras IndígenasAwa, Caru, Pindaré, Alto Turiaçu, Arariboia e Akroá Gamella

    tal como já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região
    TRF-1, Processo Nº. 0001813-37.2014.4.01.3903, Apelação Cível julgada em  18/09/2023, no qual figuraram como partes, de um lado, a Belo Sun Mineração Ltda., o IBAMA e o Estado do Pará, e de outro lado, o Ministério Público Federal, e cinco associações indígenas, a saber: a Associação Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu, a Associação Indígena Juruna Unidos da Volta Grande do Xingu, a Associação Indígena Juruna da Aldeia Paquiçamba, a Associação Indígena Arara Unidos da Volta Grande do Xingu e a Resistência Indígena Arara do Maia.

  4. Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoTRF-1, Processo Nº. 0001813-37.2014.4.01.3903, Apelação Cível julgada em  18/09/2023, no qual figuraram como partes, de um lado, a Belo Sun Mineração Ltda., o IBAMA e o Estado do Pará, e de outro lado, o Ministério Público Federal, e cinco associações indígenas, a saber: a Associação Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu, a Associação Indígena Juruna Unidos da Volta Grande do Xingu, a Associação Indígena Juruna da Aldeia Paquiçamba, a Associação Indígena Arara Unidos da Volta Grande do Xingu e a Resistência Indígena Arara do Maia.

  5. a jurisprudência do Supremo Tribunal FederalSTF, Recurso Extraordinário (RE) Nº 1379751 / PA, julgado em 01/09/2022, no qual figuraram como partes, de um lado, as Centrais Elétricas Brasileiras S.A., a Eletronorte, a União e o IBAMA, e de outro lado, o Ministério Público Federal, 23 associações indígenas, a saber: a Associação Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu, a Associação Beblo Xikrin do Bacaja, a Associação Indígena KURUATXE, a AIMA - Associação dos Índios Moradores de Altamira, a Associação das Comunidades Indígenas Ribeirinhas da Região de Altamira, a Associação Indígena Juruna Unidos da Volta Grande do Xingu, a Associação Indígena Juruna Kuxima da Aldeia São Francisco, a Associação Indígena da Aldeia Curuá, a Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca, a Associação UGOROGMO - Associação Indígena Arara, a Associação Indígena Kuruaya Aldeia Irinapane,  a Associação Indígena Aitex,a Associação Agrícola Representante do Índio Regional de Altamira Xipaia e Curuaia - Kirinapa, a Associação do Povo Indígena Kayapó da Aldeia Kararaô, a Associação Indígena Asurini Awaete, a Associação Indígena Arara Unidos da Volta Grande do Xingu, a Associação Indígena Korina Juruna da Aldeia Pakiçamba, a Associação Indígena Arawetê do Médio Xingu, a Associação Indigena Xipaia e Kuruaya da Aldeia Kujubim, a Associação Indígena Juaketê do Rio Xingu, a Associação Juruna Tubya, A Associação Indígena Berê Xikrin Da Ti Bacajá e a Associação de Resistência Indígena Arara do Maia.

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