Carvão mascarado como “biochar”: outra lucrativa solução tecnológica
16 de fev. de 2009
De acordo com um crescente, vocal e muito bem-aparentado grupo de cientistas, empresários e lobbistas, a melhor- se não a única- forma da humanidade sobreviver à mudança climática e resolver as crises energética e alimentar é lavrar o solo com bilhões de toneladas de carvão a cada ano. O grupo o chama “biochar” como se fosse uma nova técnica aperfeiçoada e afirma que irá armazenar carbono a sete chaves durante milhares de anos, providenciar energia através dos mesmos processos que o carvão, incrementar em grande medida os rendimentos de plantação e deter o desmatamento (causado, conforme muitos deles, principalmente por pequenos agricultores que praticam a roça e queima nas florestas porque não podem manter a fertilidade de seus solos). Mesmo que essas afirmações possam ser bizarras e infundadas, estão sendo levados a sério nos círculos políticos de alto nível.
O palestrante principal na conferência de 2008 da International Biochar Iniciative (IBI), que é o principal fórum que pressiona sobre o biochar, foi o australiano Tim Flannery. Ele presidiu o Conselho do Clima de Copenhague que está organizando o Encontro Empresarial Mundial sobre Mudança Climática para maio de 2009, em que serão apresentadas recomendações dos líderes empresariais e pro-empresariais à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC). Muitos integrantes e defensores da IBI estão bem- aparentados e podem influenciar as decisões políticas nos altos escalões. A IBI conseguiu importantes sucessos na Conferência da UNFCCC em Poznan. Depois de uma apresentação da UNCCD (Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação) em Poznan, o biochar foi incluído no “diálogo para o regime do clima pós 2012”. 1 Além disso, o governo da Micronésia propôs que o biochar deveria ter um papel vital na mitigação da mudança climática. Créditos de biochar no MDL pós 2012 poderiam ser aprovados formalmente em Copenhague. Se aprovado, a afirmação feita por Flannery quanto ao “biochar” pode ser demonstrada como correta: “Com a apropriada... promoção e adoção, irá mudar nosso mundo para sempre”. Contudo, há razões para chegar à conclusão contrária ao levar em consideração a segunda parte de sua frase: “e muito mais para algo superior”. 2 O carvão é um subproduto da pirólise da biomassa, uma forma de produção de bio-energia que produz dois tipos de combustível, o bio-óleo e o syngas bem como o carvão. Ambos podem ser usados para gerar calor e energia elétrica e também podem ser refinados posteriormente em agrocombustíveis de segunda geração, isto é, em combustível para carros e potencialmente para aviões. Isso se encaixa perfeitamente com o impulso das bio-refinarias e as plantações de árvores para fornecer combustíveis de carros, mas não depende delas. A pirólise geradora de calor e energia elétrica poderia ser rapidamente escalada, fazendo cair as ‘barreiras do mercado’. Se as empresas de pirólise podem ganhar dinheiro da transformação de biochar em fertilizantes patenteados (com a expansão das plantações que garanta os altos lucros dos fertilizantes), e se, podem atrair créditos de carbono, a indústria pode decolar rapidamente. Para empresas como a Best Energies, Eprida, Dynamotive and Biomass Energy and Carbon, fazer com que o biochar seja incluído no mercado de carbono pode marcar a diferença entre a possível falência ou, como a Best Energies expressou “ganhar a atual apropriação de terras em combustíveis de próximas gerações”. 3 Os lobistas da IBI promovem a imagem de uma futura indústria que principalmente beneficia os pequenos agricultores e outros moradores, através de pequenas unidades de pirólise e fogões de carvão; contudo, muitos dos expositores apelam para objetivos de ‘seqüestro de carbono’ com o biochar (carvão) o que faria que meio bilhão de hectares de plantações biochar parecessem moderadas. Assim, o “biochar” se ajusta com outra falsa solução climática baseada em plantações em larga escala e apropriação de terras, dos agrocombustíveis às plantações de árvores como ‘sumidouros de carbono’ e as árvores transgênicas. A análise racional científica para o “biochar” é ainda mais insegura do que para muitas outras soluções falsas: os agrocombustíveis, apesar de prejudiciais, podem pelo menos providenciar energia para veículos. A iniciativa biochar, por outro lado, não foi demonstrada de forma confiável para seqüestrar carbono ou fazer o solo mais fértil. A ‘evidência’ para as afirmações está baseada principalmente na terra preta- antigos solos da Amazônia Central- formada há centenas ou até milhares de anos. A terra preta foi criada por pequenos agricultores que, geração após geração, misturavam carvão com compost, ossos animais e de peixes, sedimentos dos rios, estrume e diferentes resíduos de biomassa no solo. Não há evidencia de que os solos férteis e ricos em carbono possam ser simplesmente- ou rapidamente- recriados ao serem aplicadas grandes quantidades de carvão nos campos. Até agora, um único estudo de campo sobre o “biochar” foi divulgado em publicações especializadas de referência. Os pesquisadores descobriram que, as adições de carvão fazem que os fertilizantes sintéticos de nitrogênio funcionem melhor. Os rendimentos dos plantios que crescem com carvão animal e fertilizantes são ainda consideravelmente mais baixos que para plantios que crescem apenas com estrume de galinha. Usando só carvão, porém, o crescimento foi nulo depois de duas colheitas. Esse é o motivo por que grande parte da ‘pesquisa com biochar’ envolve um fertilizante de bicarbonato de amônio que tem o carvão animal como único componente. Pelo menos durante esse breve estudo, a maior parte do carbono permaneceu no solo, mas outros estudos indicam que ainda isso não está garantido. Um estudo no Quênia mostrou que durante os primeiros 20-30 anos depois de queimar a biomassa, os solos perderam 72% do carbono contido no carvão4. Os resultados iniciais de um estudo de campo na Colômbia mostram que parcelas com carvão têm maiores rendimentos, mas perdem 60% mais de carbono no solo que as parcelas de controle durante dois anos5. Isso faz com que se afirme que o biochar tem o potencial de seqüestrar carbono em uma escala de geo-engenharia pouco mais que o ar quente. A iniciativa biochar hoje pode ser comparada com os agrocombustíveis em 2002: promessas infundadas para solucionar a crise climática e a pobreza de vez, enquanto, nos bastidores, um maciço esforço do lobby está abrindo caminho para mercados artificiais através do apoio do Estado. Para final deste ano, o lobby do biochar poderá ser bem sucedido em colocar o “biochar” dentro do MDL e outros programas de mercado de carbono a partir de 2012, possivelmente com ‘créditos duplos’, bem como ganhar apoio governamental. Várias empresas de papel e celulose indonésias, o diretor executivo da associação de dendenzeiros da Indonésia, a Embrapa no Brasil, a boliviana DESA- empresa de agronegócio em Santa Cruz e a Shell já fazem parte do grupo que já promove a idéia. A pergunta é se os grupos e os movimentos da sociedade civil serão capazes de organizar suficientemente depressa e com sucesso a paralisação do impulso do biochar e, acima de tudo, o comércio de carbono em carvão agora etiquetado como biochar. Se não o conseguirmos, este ano poderemos nos encontrar lutando contra outras ondas de apropriação de terras e florestas e outra destruição do ecossistema. Por Almuth Ernsting, Biofuelwatch www.biofuelwatch.org info@biofuelwatch.org.uk Referências: Por maiores informações vide em particular Seção 4 de “Climate Geo-engineering with ‘Carbon Negative’ Bioenergy”, www.biofuelwatch.org.uk/docs/cnbe/cnbe.html 1.http://www.biochar-international.org/timflannery.html 3. http://www.bestenergies.com/aboutus.html 4. http://www.springerlink.com/content/0h15324rrg7k5061/ 5. http://www.biochar-international.org/images/J_Major_biogeochem.pdf Tomado de: Boletim Mensual do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais wrm@wrm.org.uy www.wrm.org.uy