O que ficou de positivo no resultado da COP da Biodiversidade, em Montreal?
24 de dez. de 2022
Durante a Convenção da Biodiversidade (COP-15), que ocorreu em Montreal, fechou-se um Acordo cuja meta é deter a extinção das espécies. Políticos estão a comemorá-lo como um marco para a salvação do planeta. No entanto, é bom avaliar o resultado com precaução. Esse tratado não é juridicamente vinculante. Não há garantia de que os governos, de fato, vão colocar na prática seus aspectos positivos.
O texto aprovado da Convenção-Quadro „Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework“ (GBF) pode ser encontrado aqui. A ONU publicou aqui um resumo oficial.
“A Conferência Mundial de Proteção à Natureza colocou na vitrine a meta de proteger 30% do planeta - e a realidade vai mostrar o quão sensato o seu conteúdo vai ser”, diz Marianne Klute, Presidente de “Salve a Floresta”. “Estamos alegres pelo fato de os direitos dos povos originários e sua contribuição decisiva para a causa da proteção da natureza terem sido reconhecidos e fortalecidos.”
Direitos dos povos originários são enfatizados
No parágrafo sobre a meta dos 30% os povos indígenas são mencionados por duas vezes; na Seção “C” (Considerations for the implementation of the framework) eles foram colocados em primeiro lugar, ao passo que nas negociações eles foram frequentemente destacados. A presença dos povos originários na COP-15 foi notável. Com isso, uma proteção da natureza como um forte isolado (“fortress conservation”) que os deslocaria, não pode ocorrer.
O Acordo, contudo, não influencia em nada a questão de como os Estados, na realidade, vão tratar os povos indígenas Juridicamente, ele não é vinculante, sendo, em conseqüência, um tigre sem dentes.
Houve Acordo quanto à meta de colocar 30% sob proteção
Contudo, também nessa meta de 30% falou-se de “uso sustentável” nas áreas de proteção. “Caso isso se refira aos modos de produção econômicos tradicionais dos povos originários, isso é positivo. Caso, contudo, isso se refira aos selos de sustentabilidade por meio dos quais certificam-se monoculturas deletérias que possibilitam o desmatamento, isso seria uma enganação e catastrófico”, diz Marianne Klute.
Muitos governos estão comparando a meta dos 30% de Montreal com a meta do 1,5 grau da Convenção Climática de Paris. O objetivo é que esse número seja fixado na memória da opinião pública. No entanto, justamente a “meta do 1,5 grau” mostra um número, isoladamente, não é garantia de sucesso. Frequentemente, são até mesmo tomadas decisões que caminham em contradição com tais metas.
Não está claro como as “áreas de proteção” serão definidas, tampouco como elas serão implementadas. Tanto é que, nas proximidades de Montreal existem Parques Nacionais que não são mais que acampamentos, enquanto para a proteção dos gorilas na República Democrática do Congo, pessoas são deslocadas à força e até mesmo assassinadas.
Também não está claro como deverão proceder os países que não tem como preencher a meta dos 30% ou aqueles para os quais o valor da proteção da natureza não tem sentido. É bom que as áreas de proteção estejam bem “enredadas”, não se tornando uma mera colcha de retalhos.
Muito pouco dinheiro na mesa
Um grande ponto de controvérsia na COP-15 foi a questão do financiamento. Segundo especialistas, seriam necessários 700 bilhões de dólares por ano. Perto disso, os 20 bilhões anuais acordados em prol dos países mais pobres, até 2025, são pinto. Ademais, a partir do conhecimento adquirido nas convenções climáticas, sabe-se o seguinte: “Ajustado ou acordado” não significa “pago”. O compromisso de desviar 500 bilhões de subvenções prejudiciais ao meio-ambiente é mais do que otimista. Do ponto de vista da Alemanha, o Acordo foi negociado por uma ministra do Meio-Ambiente (Steffi Lemke) cujo ministério é mais fraco do que forte. Na seara doméstica, ela precisa se impor em cima de ministérios ditos fortes, como o Ministério das Finanças, da Agricultura ou do Trânsito.
“Seria devastador se ficar a impressão de que a natureza estaria salva com o simples fato de se decretar 30% da superfície de um país como área protegida, financiando isso com alguns bilhões”, - isso nas palavras de Marianne Klute.
Causas negligenciadas e soluções erradas
“Na COP-15 discutiu-se muito pouco sobre as verdadeiras razões da extinção das espécies: o transbordante consumo de recursos e produtos agrícolas, em especial nos países ricos”, continua Marianne Klute. Embora alguns temas importantes como o lixaral de plástico, o uso de pesticidas e o desperdício de produtos alimentícios estejam genericamente contidos no Acordo, esses pontos não são concretizados.
O Acordo baseia-se no pressuposto de que a natureza poderia ser administrada de acordo com princípios de boa administração empresarial. Desse modo, para conservá-la seria suficiente utilizá-la e geri-la profissionalmente e além do quê, a própria a natureza ofereceria “soluções” para as atitudes prejudiciais dos seres humanos. Contudo, são perigosos os conceitos determinados por forças do mercado, offset e “nature-based-solutions”. Urgentemente necessário é um básico entendimento da natureza que é compartilhado por muitos povos originários: Pessoas, animais e plantas são parte de um emaranhado estritamente relacionados entre si. O slogan da Convenção - "living in harmony with nature“ - até agora, não é nada mais do que uma frase vazia.
Ademais, o correto seria que, para o financiamento da proteção à natureza, além de Estados, contribuam sobretudo empresas, bancos e bilionários, cujos lucros e riquezas, não raro, tem origem na exploração da natureza. Seria mais justo e mais sensato que deles se exijam mais tributos, em vez de meramente contar com a benevolência deles.
Erro de concepção
A COP-15 também não foi capaz de corrigir três erros básicos da CDB. O primeiro é o fato da ONU tratar dos temas da proteção ao clima e à biodiversidade em duas convenções e COPs distintas, embora elas sejam inseparáveis e intimamente ligadas. Em segundo lugar, apenas Estados - e com isso, governos - são partes contratantes com direito a voto; povos originários continuam sendo meramente partes “observadoras”. Em terceiro lugar, os EUA (e o Vaticano) não são países-membros da Convenção, embora ambos contribuam consideravelmente para com a crise. (195 países são membros da convenção, dos quais 188 deles estiveram representados em Montreal.
E quanto ao suposto evocado “Espírito de Montreal”?
Praticamente até o encerramento da COP-15 muitos participantes e observadores da conferência mal viam nela alguma perspectiva de sucesso. Que tenha havido um Acordo depois de quatro anos de negociações, não tendo simplesmente ficado tudo por água abaixo, é obviamente positivo. Ademais, o tema biodiversidade, agora, finalmente, chegou em algumas mídias importantes, tendo ficado claro que a proteção das espécies é muito mais do que a simples proteção do escaravelho Osmoderma eremita ou da ave milhafre-real. Agora é preciso que isso fique no inconsciente coletivo - e isso é também o nosso trabalho.
Infelizmente, a COP-15 teve um peso político muito pequeno. Tirando o Primeiro-Ministro canadense Justin Trudeau, nenhum Chefe de Governo viajou para Montreal. Na Convenção do Clima, no Egito, poucas semanas antes, isso foi bem diferente.
A COP-15 ameaçava acabar em briga no último minuto. Quando a República Democrática do Congo queria recusar o Acordo em virtude de ter havido pouco compromisso financeiro, o Presidente da COP15, o Ministro do Meio-Ambiente da China, Huang Runqiu, simplesmente o taxou de “não-diplomático”. Um representante dos Camarões chegou a falar de “golpe de Estado”, enquanto a Uganda também protestou. Embora ao fim o conflito tenha sido solucionado, a confiança recíproca sofreu abalos.
Petição entregue à ONU e ao Governo do Canadá
Para chamar a atenção sobre os riscos da meta política do “30 by 30”, “Salve a Floresta e mais 15 organizações ambientalistas deram início à petição “Para proteger a biodiversidade, a ONU tem de fortalecer os direitos dos povos originários”. Essa petição, que atualmente conta com 65.795 assinaturas, foi entregue à Secretária-Executiva da Convenção da Biodiversidade, Elizabeth Maruma Mrema, bem como ao Ministro do Meio-Ambiente do Canadá, Steven Guilbeault.
A questão do “30 by 30” não está resolvida com o fim da Convenção. Isso porque o que é decisivo, agora, é como os governos vão executar o plano na realidade, e ainda, se realmente existe algo de positivo no invocado “Espírito de Montreal”. “Salve a Floresta” e suas parceiras vão continuar acompanhando a questão meticulosamente, fazendo um juízo crítico.
Assim, vamos continuar coletando assinaturas para a nossa petição. Por favor assine a nossa petição, caso não o tenha feito ainda.