Fortalecer os direitos dos indígenas é melhor do que preservar a natureza como se ela fosse uma “fortaleza” (“fortress conservation”)
23 de dez. de 2022
A mensagem chegou muito clara nas ONU: Querer transformar, em prol da proteção da biodiversidade, 30% do planeta Terra em área de proteção até 2030, de forma promocional - é equivocado e arriscado. Por isso, 65.014 pessoas assinaram uma petição contra esse plano “30 até 30”. Nós a entregamos na quinta-feira (08/12/22), enquanto a Convenção de Proteção à Biodiversidade ocorria em Montreal.
“Colocar 30% da Terra sob proteção parece tentador, mas é extremamente perigoso. Por trás disso está a teoria de que a natureza somente pode ser protegida quando seres humanos são mantidos longe dela. Na prática: quando se desloca dessas áreas a população local”, explica Marianne Klute, Presidente de “Salve a Floresta”.
“300 milhões de homens, mulheres e crianças estariam ameaçados pelo chamado “30 até 30”, muitos deles pertencentes aos povos originários. Sob o deslocamento em nome da proteção à natureza, quem sofreria seriam justamente os melhores protetores da natureza. Isso porque a natureza está em melhor estado justamente nos lugares em que a responsabilidade sobre as terras é assumida pelos povos originários. Se o conceito de área protegida traz algum benefício para a natureza, é discutível. Embora o número delas venha explodindo, a biodiversidade está se reduzindo. Em vez de se apostar em conceitos duvidosos e ultrapassados como o de parques nacionais rigidamente vigiados, é preciso que esta conferência fortaleza os direitos dos indígenas.”
Áreas de proteção ambiental, como parques nacionais, costumam seguir o conceito de proteção ambiental como um “forte” (“fortress conservation”), segundo a qual as pessoas e a natureza tem de estar estritamente separadas. Isso tem potencial para tornar-se o maior roubo de terras da história, o qual, ademais, contribui pouco para a proteção da biodiversidade.
Em vez de se fixar na idéia de áreas protegidas, várias organizações estão reclamando dos 196 estados-partes da CBD que eles cuidem de assegurar a proteção dos povos originários. Isso porque a natureza está em melhor estado justamente nos lugares em que a responsabilidade sobre as terras é assumida pelos povos originários.
A Secretária-Executiva da Convenção da Biodiversidade, Elizabeth Maruma Mrema, aderiu a alguns dos argumentos durante a entrega da nossa petição. Também ela vê os povos originários como os verdadeiros guardiões da natureza. Eles precisam ter maior influência e participação, inclusive em conferências mundiais como esta COP-15. “Eu gostaria de ter visto mais representantes deles aqui”, disse ela.
O objetivo dos 30% não deveria ser perseguido isoladamente, porquanto ele só tem sentido se acompanhado de diversas outras medidas. No âmbito de nossas conversas, Elizabeth Maruma Mrema indicou concordar que a enfatização unilateral das áreas de proteção apresenta riscos. “Vou transmitir a mensagem adiante”, disse ela.
A petição foi co-suportada por 15 organizações ambientais e de proteção de direitos humanos da África e da Ásia, dirigindo-se à ONU e a todos os governos dos seus países-membros.
“O plano de, até 2030, colocar 30% da Terra sob proteção sem considerar os direitos territoriais consuetudinários dos seus povos originários poderia destruir a relação entre proteção da natureza e natureza. Se vocês deslocarem os povos originários, (...), vocês vão destruir a Ecologia”, diz Pacifique Mukumba da organização indígena CAMV (República Democrática do Congo).
Se for aprovado esse plano “30 até 30”, isso vai significar uma catástrofe para as áreas remanescentes de floresta tropical”, adverte o Dr. Martins Egot, Diretor-Executivo da organização nigeriana Development Concern.
“Quando se examina, intensivamente, a natureza e a biodiversidade, o que se vê é o seguinte: Comunidades indígenas cultivam o conhecimento tradicional e as boas práticas que são de enorme significado para o uso sustentável da biodiversidade. Isto é o que resta recusado no conceito de colocar 30% do planeta sob proteção - aparentemente, por mera desconsideração política”, diz Maxwell Atuhura, da organização ugandesa Tasha Research Institute Africa (TASHA).
“Este futuro roubo de terras tem de ser detido já agora. Em nosso país, um projeto desses vai expulsar os povos originários e as comunidades locais para a insegurança absoluta. Este projeto macabro precisa ser impreterivelmente detido“, diz Ladislas Désiré Ndembet, da organização camaronesa Synaparcam.
“Se esse projeto for implementado, os povos nativos perderão o direito à floresta das quais eles, há já muitas gerações, vivem como nativos! Também técnicas econômicas “tradicionais” como agricultura itinerante ou nomadismo pastoral já não são mais aceitos aqui”, critica Matek Geram, da organização indígena SADIA, da Malásia.
“Povos indígenas vivem já há muitos séculos em harmonia com a natureza. Eles são os guardiões de muitas das florestas remanescentes e da biodiversidade biológica do mundo. Conseqüentemente, povos indígenas precisam ser colocados no foco central de qualquer plano de proteção, inclusive o das áreas de proteção”, diz Mardi Minangsari, Diretora-Executiva da organização indonésia Kaoem Telapak.
“Salve a Floresta” permaneceu em Montreal acompanhando as negociações da nova convenção de proteção mundial da natureza durante todo o período de realização da COP-15, que acabou no dia 19 de dezembro
Dentre as organizações que suportaram a petição, incluem-se as seguintes: WALHI Süd-Sulawesi, WALHI Papua, Aceh Wetland Foundation, Pusaka, Save Our Borneo, Kaoem Telapak (todas essas seis provenientes da Indonésia), Devcon, WATER, RRDC (todas as três Nigéria), RIAO-RDC, CAMV (as duas da República Democrática do Congo), Synaparcam (Camarões), TASHA (Uganda), TEST (Tanzânia) e SADIA (Malásia).