Correio da Indonésia para Elon Musk: Contra a exploração de níquel para fabricar carro elétrico!
7 de jun. de 2022
A Indonésia tem grandes reservas de níquel em Sulawesi (Celebes) e nas Ilhas Molucas. A exploração de níquel, sua fundição e transporte, bem como a construção de fábricas, destroem a floresta tropical, o Triângulo dos Corais e a existência de muitas pessoas. Grupos ambientalistas escrevem uma carta para Elon Musk, o chefe do conglomerado Tesla, construtor de carros elétricos
Carros elétricos são vistos, por toda a parte, como uma solução para a crise global climática. A revolução energética e a energia verde são tidas como palavras mágicas pela indústria automobilística. No entanto, para a produção de carros elétricos, é necessário usar enormes quantidades de metal, dentre os quais, o níquel. O fornecimento de níquel para fabricantes de baterias de carro é, por isso, essencial para os conglomerados automobilísticos e produtores de baterias.
Desde 2020, a Indonésia vem proibindo a exportação de níquel não processado, com o objetivo de possibilitar a produção da indústria metalúrgica local e tornar-se fornecedora mundial de baterias automobilísticas. Entretanto, diversas dessas metalúrgicas já deram início à fundição do níquel, e muitas delas estão sendo construídas. Zonas industriais especiais vêm aparecendo. No mais das vezes, elas são exploradas por conglomerados chineses. Um desses gigantes globais é o conglomerado brasileiro Vale. Concorrendo pelas reservas mundiais de níquel, está também no páreo, momentaneamente, a empresa norte-americana Tesla.
Como conseqüência da guerra na Ucrânia, ficou suspenso o fornecimento russo, que até então, era responsável por 8,4% da demanda. A Indonésia quer preencher essa lacuna, aumentando a exploração do minério de níquel e na fabricação de produtos como liga de aço-níquel e baterias. Até agora, a Indonésia cobria - como a maior fornecedora do mundo - 19% da demanda global do minério de níquel
O chefe da Tesla, Elon Musk, e o Ministro-Coordenador da Marinha e Investimentos, Luhut Panjaitan, encontraram-se por diversas vezes na primeira quinzena de maio de 2022, havendo feito tratativas sobre a exploração, fundição e construção de fábricas de baterias sob o selo “energia verde” e “revolução energética”. Diz-se que também a construção de uma “gigafábrica” da Tesla na Indonésia estaria na agenda. Até mesmo o presidente indonésio, Joko Widodo, encontrou-se com Elon Musk para explicar as futuras relações negociais.
Grupos ambientalistas, especialmente da ilha Sulawesi - onde estão situadas as maiores reservas indonésias de níquel - estão extremamente preocupados com essa corrida pelo níquel.
“Estamos profundamente preocupados, porquanto o nosso trabalho de décadas ensinou-nos que a indústria do níquel destrói o meio-ambiente, que indígenas e protetores do meio-ambiente são criminalizados sempre que se opõem à destruição de suas terras, sendo de se contar com mais violações da lei ao longo da cadeia de produção” - conforme consta em uma carta enviada para´Elon Musk e investidores da Tesla.
Os signatários, que são os grupos da rede ambientalista WALHI (Friends of the Earth Indonesia) da ilha Sulawesi, vem sentindo na própria pele, já há alguns anos, os efeitos da enorme expansão da exploração de níquel. “Quase 700 mil hectares de floresta já foram concedidos a mineradoras para a exploração de níquel.” Com isso, não apenas a floresta é destruída, também os rios e mares são contaminados com a lama tóxica. Um exemplo: “Do desmatamento de 4.449 hectares de floresta tropical no sul de Sulawesi decorreu que o Lago Mahalona, seus afluentes e toda a região costeira tenham sido contaminadas de lama”, escrevem os ambientalistas para Elon Musk.
Pelo níquel, são sacrificadas ilhas inteiras. É o que está acontecendo, por exemplo, nas Ilhas Molucas, embora a mineração na costa e em ilhas pequenas seja legalmente proibida. O mar vem sendo contaminado por resíduos e lamas das minas. A população tradicional, que vive da pesca, perde com isso, sua fonte de subsistência, dada a destruição da fauna marítima.
“Níquel prejudica também a democracia e a liberdade de opinião”, argumentam os ambientalistas na carta à Tesla. Em diversos lugares em Sulawesi, moradores afetados foram interrogados e presos. Depois que, em março de 2022, eles protestaram contra a expansão da exploração de níquel pelo conglomerado minerador brasileiro Vale, pelo menos quatro indígenas foram parar na cadeia. A Vale dispõe de enormes áreas de concessão para a exploração de níquel em Sulawesi.
O dia-a-dia do povo das florestas foi completamente alterado desde que enormes áreas de concessão foram liberadas para a exploração de níquel. Zonas industriais especiais com fundições de níquel e fábricas de baterias - nas quais direitos civis e trabalhistas são enormemente restritos - estão surgindo nas proximidades da área de proteção Morowali e nas Ilhas Molucas Weda. A população, pescadores e agricultores, estão perdendo suas fontes de subsistência.
“A poluição das águas e do ar, roubo de terras e perdas das áreas para agricultura dificultam especialmente a vida das mulheres nessa sociedade patriarcal. Elas praticamente precisam trabalhar 24 horas por dia para poder sustentar suas famílias” - está escrito na carta enviada para a Tesla.
Os grupos ambientalistas WALHI reivindicam o seguinte:
- - que não haja mais expansão alguma das minas de níquel;
- - que não sejam feitos novos investimentos na indústria do níquel;
- - que os direitos humanos sejam respeitados.
Também outros grupos ambientalistas como JATAM e AEER escreveram cartas à Tesla e aos seus investidores. Eles estão alarmados com os planos de depositar os resíduos do minério de níquel nas profundezas do mar. Tal procedimento destruiria a fauna marinha, e isso em um território que é conhecido internacionalmente como o ambiente de mais alta biodiversidade do ambiente submarino no Triângulo dos Corais.
Planos concretos para o depósito nas profundezas do mar estão previstos para três áreas no Triângulo dos Corais, exatamente em proximidade direta das Zonas Industriais Especiais Morowali (Sulawesi), Obi e Weda (Ilhas Molucas).
JATAM e AEER criticam, ademais, o uso de eletricidade ganha a partir do carvão como energia supostamente “verde”, à base de baterias de níquel. Os ambientalistas lembram Elon Musk do apelo que ele próprio fez em setembro de 2020 para que não se destrua o meio-ambiente.
A política e a imprensa, por outro lado, mostram-se entusiasmadas. A revista “Capital” destaca com o seguinte título: Tesla apesar da crise o níquel . Em 2021 a Tesla fechou contratos de fornecimento inclusive a gigante mineradora brasileira Vale. A revista indonésia “Tempo” cita o ministro Luhut Panjaitan - que, no momento, é o homem mais poderoso do arquipélago, com as positivas palavras Elon Musk eTesla visitam a Indonésia para discutir a revolução energética .
No entanto, os ambientalistas indonésios alertam para este tipo de “energia verde” às custas da floresta tropical e das pessoas que nela vivem.